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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

VIVER com CAPS...

A lição é esta...
A minha mãe teve um enorme acidente no passado Sábado, ao qual escapou por milagre. Foi um susto para todos, mas sobretudo para ela que viveu situação, num carro que vai seguramente para a sucata.Depois escreveu isto - http://diversidadesquecidas.blogspot.pt/2012/12/so-se-nasce-uma-vez.htmlNão quis deixar de partilhar convosco, porque é uma lição para qualquer um, só que na primeira pessoa.Todos devíamos pensar que temos pouco tempo e por vezes a segunda oportunidade não aparece. Mais vale aproveitar a primeira que nos é dada e deixar as "merdas"para trás das costas (desculpem a expressão).Isto vale para tudo. Para deitar fora o que não nos faz falta, o que não é prioritário, o que não nos faz felizes... e reaprender a viver. Não vale é ficar parado ou voltar (de algum modo) ao comodismo da treta, só porque é mais fácil, mais estatutário, ...enfim mais cómodo.Já disse à minha mãe que este foi um sinal, para recomeçar. Um daqueles que é de caras. Quantos de nós temos sinais tão explícitos?Quem não consegue detectar os sinais, cai na esparrela de viver a definhar. Como se estivesse à espera que a vida (a tal da primeira oportunidade), passasse. Quem não percebe que a vida nos põe à prova, para ver se nos aguentamos à bronca e paramos de cometer os mesmos erros (quem sabe com as mesmas pessoas, nos mesmos sítios e da mesma forma), vai definhar, tenha 30, 40, 50 ou 60 anos de idade. Vai apenas esperar que um dia, alguém, com pena daquela "coisa que se diz pessoa", lhe mude a algália.Eu, ainda nos sub-40, borrifei-me no estatuto, no que os outros pensam ou dizem, no viver comodamente, só porque é mais socialmente correto. Quero VIVER (com caps), como quero, onde me dá na gana, com quem gosto e me dá prazer, ao lado de quem me faz rir, chorar, ter borboletas no estômago...aos 38, não quero chegar aos 50 à espera dos sinais da vida ou que apenas me queiram mudar a algália. À minha mãe, que já passou por muitas e quase vidas diferentes, desejo toda a sorte do mundo nesta nova vida. Para mim...só quero VIVER COM CAPS!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sou orgulhoso(a), logo sou infeliz.

Das descobertas que tenho feito por aí, esta foi uma delas. O orgulho é, na maior parte das vezes, inimigo da felicidade.
Não o orgulho que se sente por alguém que atingiu ou fez qualquer coisa de muito importante! Falo do orgulho que impede o ser humano de seguir em frente. Aquele que faz com que não façamos qualquer coisa de importante, relativamente ao outro. Falo do orgulho que tolda a visão, a capacidade de sentir e a iniciativa. Do que nos faz repetir e repetir vezes sem conta o mesmo padrão de comportamento, em prol de manter o nosso orgulho acima de qualquer coisa ou pessoa.
Por orgulho não vamos algures, não falamos com alguém, não telefonamos ou escrevemos, não pedimos desculpa, não damos o primeiro passo. Por orgulho e com orgulho não arriscamos e o mais curioso é que ainda conseguimos ficar orgulhosos de nós mesmos.

sábado, 29 de setembro de 2012

Caminho de Santiago 2012

Bom Caminho (Setembro 2012)
Já nem sei como surgiu a ideia, mas lembro-me que começámos a falar nisto algures em 2012. Terá sido uma das resoluções das passas na passagem de ano? Honestamente não me lembro. Só sei que o que começou por ser um "desejo" do género "era tão giro fazermos esta viagem!" ou, "isto sim era algo que gostava de experimentar", tornou-se num verdadeiro projecto para este ano, ainda que com objectivos diferentes para ambas.
No meu caso, é um encontro puramente espiritual, com a religião, comigo mesma, com os outros. Promessas não as tive, até porque como dizia uma professora do liceu, "promessa é uma coisa, negócio com os santos é outra". Por isso, saí daqui com objectivos espirituais e pessoais e com a promessa de chegar ao fim. Pelo caminho ficaram sim, muitas intenções.

3ª semana de Agosto de 2012
Fazer a lista das necessidades para os 6 dias de peregrinação é uma verdadeira odisseia. E, com partida agendada para 21 de Setembro, em Agosto ainda estávamos nesta fase.... ter a lista completa, dividir a compra e o transporte do material de higiene e conforto necessário, saber afinal quem ia alinhar na aventura, comprar material em falta etc.

A 6 dias da partida
No quarto estavam amontoadas as tralhas - mochila, cantil, meias anti-bolhas, cremes disto e daquilo, calças e bermudas, t-shirts, polar, poncho para a chuva etc
Esta semana era a altura para nos dedicarmos à lista dos medicamentos. O treino aos pés e sobretudo a habituação às botas foram também uma constante.
Muito importante: o bloco de notas com as intenções definidas já fazia parte dos haveres para a partida. Como disse, não eram promessas, mas as buscas pessoais desta viagem.

20 Setembro 2012
As nossas mochilas
Pela hora do almoço lá estávamos nós na Gare do Oriente, para o Alfa até ao Porto, onde parámos para lanchar e seguir em direcção a Valença, também de comboio. Eram oito e meia da noite quando chegámos a Valença. Na saída da estação, começámos a primeira caminhada em direcção ao Hotel Lara...lá fomos perguntando pela rua, até chegarmos ao nosso destino, apesar de muita gente, pelo aspecto peregrino que tínhamos, nos indicar sempre o Albergue local. Depois uma vitela fantástica e bem servida num restaurante ali próximo (com uma Superbock que soube pela vida) e de uma boa noite de sono, só podíamos estar a começar bem o Caminho Português.

Dia 1 - 21 Setembro 2012
(17 Km)
Catedral TUI
Após o pequeno-almoço onde encontrámos o grupo de ingleses que acabaria por nos acompanhar diariamente até Santiago (sem que ainda o soubéssemos), saímos já de ponchos vestidos em direcção a TUI. Chovia. Na catedral de TUI (que é uma experiência espiritual muito intensa para qualquer um, pela beleza, pelo silêncio e pela paz que ali se vive), foi a 1ª paragem do dia para o lanche da manhã (croissant simples acabado de fazer).
Orbenlle
Continuando a caminhada, encontrámos o Mac - um inglês com mais de 60 anos de idade, que se tornou o nosso anjo da guarda ao longo dos 6 dias e que nesse dia em particular, havia estado no dito pequeno-almoço. Tinha começado o seu caminho no Porto no dia 13 de Setembro.. No caminho para Orbenlle, este foi o nosso 1º contacto. Uma simpatia, Uma dádiva.
Já em Orbenlle parámos para almoçar uma tortilla com salada de atum e passas, num restaurante com uma vista fantástica. Ali estava a Brasileira de Porto Alegre, que mais tarde viríamos também a encontrar várias vezes até ao nosso destino final.
Na floresta...antes da zona industrial.
Em seguida, muito verde, muitas trilhas na floresta e depois a famosa zona industrial - um sitio feio em recta, mas que parece demorar uma eternidade a passar.
Chegámos a Porriño pelas 16h e lá estávamos nós na pensão Maracuibo - limpa, simpática e com tudo o que precisávamos após os primeiros cerca de 17 km.
Nessa noite havia festa em Porriño, pelo que não foi fácil dormir. Os galegos levam as festas religiosas muito a sério.
Ajudou o vinho tinto ao jantar, a acompanhar umas gambas com alho e um pãozinho do melhor.
Não posso deixar de dizer que nessa noite o "Voltaren" já me fez companhia. As dores começavam nos pés e pernas estavam a começar.






Dia 2 - 22 de Setembro 2012
(19 Km)
Albergue de Mós
Não tínhamos dormido com o barulho que se fazia sentir nas ruas de Porriño. Foi festa e feira toda a noite. Acordámos pelas 7h00 (ainda estava muito escuro) e depois de nos arranjarmos e sairmos de mochila já nas costas, foi tempo de procurar, na rua principal, uma pastelaria para o pequeno-almoço. Pastelaria "Simplicio". Aqui, uma bela "tostada" e café com leite fizeram as delícias da manhã. Andámos cerca de 5 Km antes da próxima paragem para um café, no Albergue de Mós.
Meio albergue, meio café/cafetaria, com papelaria à mistura, mas tinha de tudo, sobretudo um expresso.
Café em Mós
Os peregrinos ingleses voltaram a fazer parte do momento para o break, bem como os primeiros portugueses que encontrámos a pé e um grupo de italianos (que apesar da idade, não poupavam piropos às miúdas mais novas). Tudo na base da simpatia claro!!
A partir de Mós o percurso foi muito duro (muitas subidas e descidas e chão irregular). Voltámos a parar em Santiaguino, no meio no mato, para comer um lanhe que vinha connosco e recuperar forças. Seguimos então rumo a Redondela. Quase na chegada à grande descida de Redondela, parámos ainda num café/padaria. Um Galego muito simpático, cujo filho estava a fazer o Doutoramento em Lisboa. Os bolos ali tinham Marketing pessoal, de tão bom aspecto....e o senhor recomendou-nos que fossemos dormir ao Hostal Antolin, na praia, com  vista para a Ria de Vigo e para a Ilha San Simón.
Seguindo a sugestão do nosso conselheiro, lá mudámos as reservas desse dia para o Antolin na Praia de Cesantes. Mal sabíamos nós é que os Km's seguintes íam custar tanto e que desviar de Redondela para Cesantes ía ser tão doloroso para os pés.
Nas descidas de Redondela foi preciso voltar a parar para descansar, mesmo que junto a um caixote do lixo camarário (verde...igual aos nossos).
Dentro da cidade, voltámos a encontrar um dos nosso peregrinos já conhecidos...a rua do Cruzeiro parecia não mais acabar.
Eu particularmente estava com os pés numa lástima de dor. Antes de Cesantes tivemos de voltar a fazer uma paragem num café de beira de estrada. Ali estávamos literalmente fora do caminho, dado que o desvio que estávamos a fazer não vinha assinalado nos percursos para peregrinos. Acho que nunca uma febra com batatas fritas e ovo estrelado me soube tão bem. Assim retomámos os últimos 3 Km até ao dito Hostal, que nos pareceram uma eternidade. Tudo me doía. Acho que cheguei a pensar "mas o que estou eu a fazer aqui?"
Rapidamente pensava nas intenções que levava comigo e das quais me lembrava todos os dias. Era uma forma de ganhar forças para ir em frente.
Ilha San Simón
Na chegada, de facto fomos surpreendidas pela simpatia do pessoal do hostal e pela vista. Um banho quente, voltaren uma vez mais nas pernas, creme nos pés e 1h de descanso.
Momento para escrever o dia.
Depois uns ténis, para dar sossego às botas e lá saímos para um passeio à beira-mar, seguido de uma cerveja na esplanada.... nunca uma cerveja teve em nós um efeito tão revigorante.
Mais tarde começaram a chegar ao Hostal outros peregrinos: a Brasileira de Porto Alegre, com quem nos tínhamos cruzado no dia anterior, um grupo de Brasileiros do Estado de São Paulo, com que mais à frente viríamos ainda a estar algumas vezes, um Americano de LA de origem Mexicana (lindo de morrer, devo dizer), muito simpático...os nosso amigos alemães (um grupo de 3 que víamos todos os dias)...
Calçadas para jantar
Antes do jantar pedi gelo para as pernas e pés na recepção, para ver se as dores acalmavam. Nesse dia fui jantar de meias, para surpresa  dos outros peregrinos que estavam na sala...acho que fomos as duas aliás. Na verdade os outros peregrinos queria também estar de meias, mas acho que lhes faltou a coragem.:)
Jantar fantástico: canja, mexilhões, calamares fritos e um cheesecake.


Dia 3 - 23 de Setembro 2012
(17 Km)
Para o pequeno-almoço lá voltámos a preferir as meias apenas como calçado. Era importante dar descanso às botas até ao momento de voltar ao caminho. De facto o pequeno-almoço no Hostal Antolin era óptimo e deu para reforçar com pão, fruta e cereais. Fantástica a empregada que estava de manhã - fazia pequenos-almoços, reposições na sala, check-in e check-out, enfim. Uma verdadeira multi-task. Ficámos encantadas com o serviço.
Antes da saída explicaram-nos a forma mais rápida para voltarmos ao "caminho", dado que nos tínhamos desviado cerca de 3 km, para pernoitar na praia.
De volta ao caminho...
Ponte Sampaio
Encontrado facilmente, lá partimos em direcção a Arcade. Até aqui foi tranquilo e aproveitámos para parar e tomar um café, mesmo a tempo de nos livrarmos de uma nuvem daquelas bem carregadas de água. Quando parou de chover, saímos rumo a Ponte Sampaio (uma aldeia histórica e típica da região). Algumas fotos com o nosso amigo inglês do IPAD (tirava fotos com o IPAD entenda-se) e seguimos para Gandara de Santa Marta, até onde o percurso era muito duro (elevações enormes e muita pedra...caminho aliás não recomendado para peregrinos de bicicleta). No entanto, a vegetação era tão densa, que este deve ter sido um dos percursos mais bonitos e mais intensos em termos espirituais.
Em Gandara parámos para um "bocadillo caliente", numa caravana de comidas e bebidas no meio do "quase nada". Já estávamos muito cansadas nesta altura e mais uma vez a minha mochila e o peso, provocavam horríveis dores na cintura e pernas. Um pouco mais à frente, na capela de Santa Marta voltámos a parar para descansar. Eu particularmente estava no limite. A Zélia, ainda assim, conseguia manter-se mais equilibrada fisicamente.
Caminho
Até Pontevedra eram ainda cerca de 5 Km (uma eternidade quando estamos nos nossos limites físicos). A boa notícia é que o percurso em falta era feito em rectas, sem elevações e descidas acentuadas.
Antes da chegada a Pontevedra começou a chover muito e tivemos de voltar a parar para nos abrigarmos e nutrir (amendoins e vinho branco - quem diria que nutria - numa taberna onde a ASAE não passou de certeza).
Saímos uma vez mais debaixo de chuva intensa e com os ponchos vestidos.
Chegámos pelas 15h ao Hotel Madrid em Pontevedra. E começou o ritual: banho quente, Vasenol pés e pernas, Voltaren e descanso.
Saímos mais tarde até ao centro da cidade para um almoço/lanche. Mas era domingo e em Espanha, é mesmo dia de não fazer nada. Nada aberto a não ser cafetarias.
Nesta altura os bocadillhos já enjoavam pelo que acabámos num café, giríssimo, na praça mais central da cidade velha, para um croissant com chocolate. Tudo o que a minha criança interior já estava a pedir. A acompanhar...chocolate quente claro!!!
Voltámos ao Hotel e eu lá fui para o ritual do gelo nas pernas. Se assim não fosse nem sei como aguentaria no dia seguinte.
Tentámos sair para jantar, mas precisamente por ser domingo, encontrar algum sítio com "comida a sério" e quente, era uma odisseia. Estava tudo encerrado. Acabámos a noite num Italiano, para um "minestrone" que nos soube pela vida. Estávamos exaustas!
Engraçado foi que, nesse dia, o secador de cabelo (que víamos pela 1ª vez desde que tínhamos saído de Lisboa), apenas serviu para secar as botas. Tinha começado o desapego das coisas materiais.

Dia 4 - 24 de Setembro 2012
(22 Km)
Mais uma odisseia em Pontevedra para tomar o pequeno-almoço. Na Galiza comer pão fresco de manhã cedo é mentira! Até dizíamos, em tom de piada, que "aqui os padeiros deviam ter horários muito mais flexíveis"  porque o pão chegava tarde a qualquer sítio.
No café central, com muito bom aspecto, conseguimos sumo de laranja, napolitanas frescas, cola-cao e croissants.
Igreja Santa Maria de Alba
Depois do check-out no Hotel seguimos em direcção a Alba, onde parámos na igreja para descansar, acender velas e meditar. Seguimos então em direcção a um café ainda naquela localidade para a segunda refeição  - sanduíche e um expresso forte. 
A partir daqui o caminho foi muito forte (vegetação densa e mística, uma enorme beleza natural, muita chuva, muitas dores físicas e muita emoção associada).
São os momentos em que se chora sozinho, mesmo que estejamos acompanhados.
Espiritualmente, parece que muita coisa começou a fazer sentido nesta altura!
O caminho...
A partir daqui o caminho foi muito duro para todos. Em Cancela conseguimos parar num café e recarregar baterias. Estávamos famintas. Numa tasca de beira de estrada lá estávamos nós para mais um bocadillo e cogumelos quentes, com um red bull (para ganhar forças). Conseguimos aqui descansar cerca de 40 minutos, antes de avançarmos rumo a Caldas dos Reis. Até lá era tudo em linha recta e já não voltaríamos a parar.
A cerca de 2 km de Caldas estávamos uma vez mais exaustas. Numa pequena localidade, conseguimos apenas parar no adro da igreja, junto a um parque infantil, para descansar os pés e as pernas.
Nesse dia tudo estava tão difícil que até o Hotel (Hotel Sena), ficava no final da localidade de Caldas dos Reis, pelo que tivemos de andar a pé mais 3 Km, desde que entrámos na cidade.
Quando se está no limite, mais 10 minutos ou 3 Km são uma eternidade e uma dor indescritível.
Assim que chegámos ao hotel iniciámos o ritual de higiene e descanso - banho, creme pés e pernas para relaxar, Voltaren... e uma sesta.
A Zélia descobriu massagens a 17 euros nas termas das Caldas e lá fomos nós ao fim da tarde, com a devida marcação.
As termas!
A terapeuta tinha medo de me fazer massagem nas pernas - aquilo de que mais me queixava. Dizia que podia causar algum dano maior e se assim fosse no dia seguinte não seria capaz de andar, dado que tinha os músculos altamente inflamados.
Conseguimos depois um bom sítio para jantar um caldo galego e uma costeleta de comer e chorar por mais.
Uma vez mais encontrámos o peregrino de LA, com ascendência Mexicana e que, soubemos nesta altura, que já tinha feito o caminho francês. Não tem uma perna e faz o caminho com o apoio de uma muleta. Ficámos impressionadas com a força de vontade de um tipo com aquelas características e que não teria mais que 38/39 anos.
Com a massagem desse dia, dormi muito melhor e no dia seguinte sentia-me com menos dor física.

Dia 5 - 25 de Setembro 2012
(19 Km)
Foi um dia muito giro, apesar das fortes dores nos pés e pernas.
Com o efeito da massagem do dia anterior, o amanhecer parecia mais fácil e menos doloroso sobretudo. Acho que o anti-inflamatório ajudou muito.
No caminho...com chuva.
No hotel contratámos o serviço de transporte de mochilas pela 1ª vez, para não penalizar mais as costas e só saímos por volta das 08h50. O destino era Padrón pelo que parámos em Carracedo onde estivemos cerca de uma hora para comer o famoso bocadillho de tortilla, um bom expresso e daí sim partirmos para Pino.
Começou a chover copiosamente e por isso chegámos a Pino completamente encharcadas.
Parámos então para um chá e para secar um pouco as botas.
Não ficámos muito tempo. Voltámos rapidamente ao caminho, desta vez rumo a Ponte Cesures.
Nesta localidade procurámos um restaurante chamado "Mesa de Pedra", Restaurante Medieval (http://www.facebook.com/MesaDePedra?fref=ts) ....mas durante o percurso, a Zélia estava entretida com várias chamadas telefónicas a combinar eventos sociais comuns (estar muito tempo longe tem destas coisas e temos de intercalar o espiritual com o que é mais terreno :)...para nos mantermos bem).
Fomos atendidas por um Homem de poucas palavras (pelo menos no primeiro contacto), mas cheio de sabedoria sobre Santiago, o Caminho e afins.
Quando nos sentámos já estavam na mesa 3 peregrinas Brasileiras, entre elas a Dana, com quem passámos a falar mais a partir daí.
Foi-nos servido um óptimo Caldo Galego, seguido de algo que em portugal chamamos "Carne de Alguidar" com batata cozida, queijo e doce de figo, vinho tinto e café de saco (conhecido ali como "café científico" - máquina de café de saco com a cientificidade de ter um temporizador /cronómetro à parte, como o próprio dono do local explicava, para garantir os 3 minutos necessários para um café irrepreensível).
Um local que, em Portugal, não passaria despercebido a uma ASAE, mas que é fantástico e faz as delícias dos peregrinos, pelo acolhimento, simpatia e comida caseira.
Foi aqui que aprendemos que os pimentos padron não são de Padrón, mas sim de Hebrón e que se devem comer sem rabo. "Se vos servirem pimentos com rabo é porque não foram lavados" foi-nos explicado.
No Mesa de Pedra...
No Mesa de Pedra acabámos por almoçar em grupo, entre portugueses, brasileiros e alemães. Até uns portugueses de Peniche apareceram por ali já no final da refeição.
Saímos do local completamente revigoradas pela comida, conversa, gargalhada, e pela 1h30 de descanso.
Partimos depois para Padrón, a tentar um atalho que nos tinham explicado, para encurtar caminho.
Aqui ficaríamos alojadas no Hotel Jardim  - uma casa rústica, senhorial, familiar e muito acolhedora.
Calçado dos Peregrinos no H. Jardim
Depois, já se sabe: banho, descanso e um jantar recheado de iguarias (pimentos, batata frita etc) locais e bem regado.
Jantar em Padrón
No restaurante encontrámos todos os peregrinos do dia e mais alguns com quem nos andávamos a cruzar há já algum tempo. Entre alemães, brasileiros, e a Anja (uma holandesa amorosa e simpática que estava a fazer o caminho sozinha, ou pelo menos tentava, segundo explicava).
O espírito de grupo e "do peregrino" neste 5º dia foi impressionante. Quando no encontrámos à noite para jantar, ficou claro que "todos estamos  ali com o mesmo objectivo, mas todos também  com razões diferentes". Cada um sabe das suas razões, intenções, o que procura afinal. Uma verdadeira questão de alma.


Dia 6 - 26 de Setembro 2012
(25 Km)
De Padrón até Escravitude fez-se bem (sem subidas nem descidas e sobretudo sem chuva)!
Era bom ou não era?!
Ainda em Padrón um bom pequeno-almoço junto à igreja ajudou a começar o último dia de caminhada. E claro, na Escravitude, o reforço alimentar já habitual foram a delícia da 1ª paragem.
Saímos já com alguma chuva desta localidade. Seguíamos para Obese, onde chegámos pela hora do almoço. Segunda parte do roteiro gastronómico do dia: sopa de nabiça, jamon serrano e vinho tinto. O atendimento, sobretudo da proprietária, não era muito simpático, mas o marido compensava a simpatia e a dedicação aos clientes (principalmente às meninas).
Depois de algum tempo de descanso, prosseguimos viagem para Milladoiro. Chovia muito e tivemos de nos abrigar num supermercado. A Zélia aproveitou para nos comprar uns chocolates, o que foi óptimo para reforçar o açúcar, mas sobretudo o ânimo.
No caminho...
Este era o percurso maior dos 6 dias do caminho, o da chegada a Santiago e com chuva, fica tudo mais difícil. Por ali encontrámos o grupo da Dana, que afinal acabou por não fazer apenas 12 Km como havia previsto inicialmente, arriscando-se nos 25, tal como nós.
Neste dia voltámos a estar com o grupo de ingleses, que desde Valença, vinha connosco, nos mesmos percursos. O Mac, como sempre, trazia uma mensagem especial. Desta vez tinha a ver com a dor física que eu mesma sentia - pés, sobretudo dedos e unhas. Este homem era um verdadeiro anjo na terra. Já anteriormente parece que tinha respondido às minhas dúvidas médicas (o que fazer, como minorar aquelas dores....enfim). Agora aparecia para lembrar que as dores que tínhamos não eram nada face a dores de uma vida (uma "lifetime experience", como lhes chamou). Estas dores, como ele dizia, passariam ao fim de uns dias. Outras pessoas no mundo, tinha dores de uma vida. Por isso, este sacrifício físico, era uma forma de nos lembrarmos disso, durante o caminho.

A 4 Km...


O que se sente numa altura destas é indescritível. Aqueles últimos 4 Km foram no entanto uma eternidade e só a meio da tarde chegámos à catedral.
Finalmente em Santiago...
Eram tantas as pessoas a tirar fotos umas às outras, a si próprias, sozinhas, a dois, em grupo.... nunca imaginei nada assim. Só tinha estado uma vez na vida ali e em circunstâncias bem diferentes. É impressionante o que a fé em algo move. Fé, não necessariamente no catolicismo, claro.
Depois de algum tempo a apreciar aqueles momentos, seguimos para a "Oficina " do Peregrino.
Oficina do Peregrino (dados, diploma e entrega de intenções)
Como manda a tradição, recebemos o diploma e entregámos as intenções, que são queimadas na missa da última quinta-feira do mês. Por sinal, a missa a que íamos assistir no dia seguinte (27 Setembro): a missa do Peregrino.
Agora o que ficou daquele dia: a sensação única de missão cumprida com pena de ter acabado uma caminhada para algo tão importante para cada um; um misto de vontade de rir com vontade de chorar...qualquer emoção não se percebe e muito menos se consegue explicar. Ficou a vontade de olhar à volta e voltar a olhar e ficar a olhar.... para apreciar a praça defronte da catedral. Senti que iria ter saudades destes dias...e tive. Saudades da espiritualidade, das pessoas, das sensações.
Quero voltar, a este ou a outro caminho, quero voltar desde que seja Santiago.


Dia 7 -27 de Setembro de 2012
(Em Santiago)
Acordámos pela 1ª vez sem ter o compromisso de avançar mais 1 km sequer. A sensação é ao início de alívio, porque foram seis dias de cansaço, mas ao mesmo tempo de vazio, por não termos o objectivo quilométrico do dia, os mapas para ler e pensar sobre as paragens mais adequadas, enfim, um misto de dever cumprido com o vazio que agora parecia começar.
Vista da Varanda do Quarto
O Hotel em Santiago era mesmo no centro - muito clean (do tipo IKEA), acolhedor, histórico e de gente simpática e jovem. Na mesma rua havia uma pastelaria para um bom pequeno-almoço.
Foi a 1ª manhã em que dispensámos as botas de caminhada, até porque as da Zélia tinham aberto golpes precisamente na chegada à Catedral (ou pelo menos foi quando demos por isso).
Depois de um banho matinal, roupa lavada e pequeno-almoço, seguimos para a Catedral, para a Missa do Peregrino.
Assim que chegámos, encontrámos o grupo da Dana (do Estado de São Paulo - Brasil) e os ingleses que desde sempre nos acompanharam. Quando olhávamos à volta, grande parte dos peregrinos que por ali estava eram pessoas com quem nos tínhamos cruzado ao longo dos 6 dias de Caminho.
A Missa começa com um enorme agradecimento aos peregrinos e um cenário fantástico levado a cabo pelo turíbulo (defumador de metal, preso a 3 correntes). Os movimentos de defumação da peça são enormes e visíveis em quase toda a catedral. É impressionante. A comunhão foi demorada, com tanta gente a querer celebrar o momento. Aquela era também a última missa numa quinta-feira do mês, altura em que se queimavam as intenções. As nossas lá ficaram. Só nós e Santiago as conhecemos. E mesmo que demorem, ele vai tê-las em conta, tenho a certeza.
Na Missa após a comunhão
Aproveitámos a ida à Catedral para dar o abraço a Santiago, numa zona própria da igreja.
Saímos depois para almoçar, para ir às compras (porque o frio apertava e a roupa que trazíamos era do tipo Verão) e para comprar os bilhetes de autocarro, para o Porto, para onde partiríamos no dia seguinte. Voltámos mais tarde à Catedral para colocar algumas velas.
Tarde de Sol
Tarde de Sol

Nesse dia ainda apanhámos uma tarde de sol fantástica, que aproveitámos até ao último minuto. Conseguimos jantar num sítio muito giro e de comida típica, que recomendamos. Chama-se "O Dezasseis" e aqui fica a dica : http://www.dezaseis.com/ 
Na Galiza come-se definitivamente muito bem.

Dia 8 -28 de Setembro de 2012
(De volta a Lisboa)
Hoje acordámos e só no pequeno-almoço nos apercebemos que estávamos atrasadas para o autocarro para o Porto.  Pois é! Obra do acaso ou não, o despertador não só não tocou, como a hora estava errada.
Correria até ao hotel, para apanharmos as mochilas, depois até ao táxi, para chegarmos ao autocarro. Entrámos pela plataforma dos autocarros, em plena garagem, com o embarque já a terminar. Mesmo a tempo!
Saíamos de Santiago e começámos a percorrer no BUS alguns dos locais onde havíamos passado a pé. A sensação é estranha. Numa hora andámos o que tínhamos levado cerca de 3 dias a fazer em caminhada.
Dormimos a viagem quase toda até ao Aeroporto do Porto. Uma vez aí, acabámos por conseguir apanhar um voo mais cedo que o previsto para Lisboa.
Quando aterrámos na Portela a sensação é a de que tínhamos sido tele-transportadas de um sítio longínquo e inacessível mas cheio de paz. Instalou-se a sensação de ter vindo de Marte em pouco mais de 2 horas.

No final da viagem o que ficou? Costumo dizer que ficaram 3 marcas desta experiência:
  • conhecemos melhor os nossos limites físicos e até que ponto esses limites impactam nos limites emocionais (até onde e como aguentamos sem dor física e a partir de quando essa dor nos causa sofrimento e lágrimas);
  • damos mais valor ao outro e sabemos que o espírito humanitário afinal existe e que, existem pessoas, tal como nós, que de forma desinteresseira e desinteressada, se preocupam e ajudam o outro;
  • valorizamos coisas básicas que temos no dia-a-dia e que numa situação de esforço físico e emocional, fazem toda a diferença (como é o caso de uma refeição quente).
Nós  adorámos a experiência.
Acredito que 2013 vai trazer um novo caminho, este ou outro, com novas histórias, pessoas, mas quem sabe com as  mesmas intenções.


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Pessoas que não mudam. Revelam-se!


Vi hoje uma página no Facebook chamada "As pessoas não mudam, revelam-se". Não consegui deixar de sorrir.
Podemos conviver anos a fio com alguém sem nunca conhecer os seus maiores defeitos, os desequilíbrios, as vidas paralelas, os medos e inseguranças, as incapacidades.
Pior que isso, projetamos no outro, alguém que gostaríamos que o outro fosse, sobretudo no que diz respeito às virtudes.
Um dia o verniz estala e lá se vão as qualidades! O poço de virtudes passa então a um poço sem fundo e carregado de musgo escorregadio e mal cheiroso, as vidas paralelas são postas a nu, a agressividade e o desequilíbrio substituem o carinho, a disponibilidade dá lugar à mentira e omissão e até as ameaças aparecem em vez da compreensão e da capacidade de ouvir. Pior. O desinteresse pelo próximo e pelo seu bem estar, pela vida humana seja ela de quem for e o foco no seu próprio umbigo aparecem como algo que afinal era inato ali. Só não tínhamos dado conta.
Bom saber é que afinal, no meio desta merda toda, ainda há quem não precise de se revelar, porque sempre foi genuíno e verdadeiro, não usou máscaras e por isso também não teve de as tirar.




sábado, 7 de julho de 2012

Façam o pino por favor!

Sufoca-me a falta de bom senso e a mentira tira-me o ar. A capacidade de ação ressabiada com a vida e com os outros aflige-me. 
Quantos de vós já se perguntaram porque é que há pessoas que mesmo com muitas adversidades, lições de vida e até com o passar dos anos, conseguem não fazer a sua evolução enquanto seres humanos, para melhor?! Mas será que não entendem que por vezes parece que a vida nos vira ao contrário e que à primeira vista, nada faz sentido daquele modo, mas que há um propósito nesse pino virtual e que afinal, aquele novo lado, o que descobrimos de nós, é o mais verdadeiro. Não veem que é afinal o modo como nos sentimos melhor e somos nós mesmos e que é assim que devemos prosseguir?! Boa sorte a quem ainda não reparou que o pino, o avesso ou a sensação de estar de pernas para o ar é um novo modo de vida e o certo!

domingo, 13 de maio de 2012

Estrelas no Céu.

Hoje sei que há várias estrelas no céu que olham por mim todo os dias. Não são cadentes ou meteóricas, mas estão sempre lá para me ver e ouvir, sobretudo quando mais preciso. Todas tiveram a sua importância na minha vida e hoje, continua a haver uma, que brilha mais que todas as outras, todos os dias. Para a minha estrela favorita, para quem eu sei que continuo a ser também a "preferida", o meu muito obrigada. De coração. Por favor nunca deixes de brilhar e de me iluminar. Nunca deixes de gostar de mim e não te escondas atrás das nuvens quando quero falar contigo. Um dia havemos de nos encontrar, mesmo que demore e sei que te irei reconhecer pelo brilho, pelo cheiro, pelo sorriso e pelas mãos. Obrigada João.

sábado, 21 de abril de 2012

A amor aprende-se.

Ontem alguém me disse que AMAR é uma capacidade que muitos de nós temos e que, curiosamente, não é inata. À partida duvidei. "Se amares a tua filha, um dia ela saberá também amar o próximo", foi-me explicado. Amar é um ensinamento. Quem em criança não recebeu amor dos pais, dos irmãos, dos amigos, nunca será capaz de amar um dia nenhum Homem ou Mulher, ou mesmo os próprios filhos. Vai gostar deles como é óbvio, vai apaixonar-se algumas vezes, mas o verdadeiro AMOR, aquele que obriga à concessão, à reciprocidade, ao dar e receber, ao incondicional, esse nunca será capaz de sentir. É uma espécie de bloqueio emocional em que o ser humano só se entrega até certo ponto, por incapacidade de ir mais além. A boa notícia é que quando reconhecemos em nós esta falha, estamos com metade do caminho para o Amor cumprido e bastará depois, que nos deixemos envolver pelo Amor que alguém tem para nos dar. Mas, se não somos sequer capazes de reconhecer que nos falta o "saber amar", por muito que nos tentem dar Amor, não vamos sequer valorizá-lo e muito menos querer recebê-lo e logo, nunca aprenderemos a AMAR.

domingo, 15 de abril de 2012

A partida de João.


Por vezes as partidas e despedidas não são definitivas, mas a de João foi, apesar de nunca ter pensado que poderia assim acontecer consigo.
João viveu desde sempre com a sua mãe, num ambiente pobre, sobretudo após a morte do pai. A casa era humilde e a mãe - Maria Antónia de seu nome - fazia tudo para garantir que nada faltava ao pequeno. Com o desaparecimento do marido, Maria Antónia estava ainda mais ligada ao filho e o pequeno, mais apegado à jovem mãe.
Maria Antónia trabalhava a terra, vendia o que colhia, fazia pão para fora e quando podia, ainda fazia uns biscates em casa de gente rica para que nada faltasse em casa.
Mas João, apesar de ser um bom menino, queria o mundo. Era ambicioso e não criticando a mãe ou exigindo, sonhava em sair da terra, entrar num navio gigante, ir para o outro lado do Atlântico e ter uma vida melhor.
Maria Antónia conhecia o filho sonhador e também lutador que tinha, mas nunca valorizou a luta interna do pequeno e a alimentação daquele sonho já na idade pré-adulta.
Finalmente, pelos seus 20 anos, João decidiu partir e embarcar no navio - que agora já não via como sendo gigante, mas suficientemente grande para o levar em busca do seu sonho.
João partiu com a promessa de mandar buscar a mãe logo que conseguisse casa, trabalho e algum dinheiro para a viagem que, em 2ª ou 3ª classe ainda era cara.
No dia do embarque, Maria Antónia fez-se acompanhar da vizinhança ao porto de onde o navio ia partir. Nesse dia deitou todas as suas lágrimas, mas nunca mais chorou. Sofreu sim. E muito com a ausência do seu menino, mas sabia que era um direito do João lutar pelo seu sonho e que não lhe cabia a ela impedir.
Quando chegou à terra prometida, passou como todos, muitas dificuldades, mas venceu. Acabou por casar com uma Argentina, de quem teve filhas. Escrevia à mãe e mandava fotografias do casamento e do Joãozinho, que já havia nascido.
Nas cartas, pedia a Maria Antónia que fosse ter consigo, que embarcasse. Dizia que mandava dinheiro para a passagem, mas Maria Antónia já estava sem forças para recomeçar e sair do seu canto.
Com a chegada da peste, Maria Antónia adoeceu e não resistiu. Quem a acompanhou na doença, na morte e ao longo da sua vida, durante a ausência do filho, foi uma jovem, amiga de infância de João (namoradinha em criança) e que sempre ficou por ali e solteira, também ela à espera que um dia João regressasse.
Ao contrário de todas as expectativas de Maria Antónia, nunca mais viu o seu filho adorado, que partira afinal para sempre.

domingo, 8 de abril de 2012

Joana, Artur e o Pai Zé


Joaninha saltava à corda no campo de macieiras da quinta do seu pai num lindo dia de sol. O vestido comprido, com um bibe que protegia os melhores tecidos da sujidade das brincadeiras de crianças e os cabelos castanho claro, presos por laços brancos (um de cada lado), contrastavam com o vermelho das centenas de maçãs que por ali cresciam. No meio da correria viu aparecer o seu pai – um homem alto, moreno e que frequentemente vestia fato cinza com botas de montar. O pai chegou e como lhe era habitual, pegou na Joana ao colo e fê-la rodopiar no ar, até a menina ficar tonta e gritar (enquanto ria à gargalhada) de felicidade. Riam sempre muito quando brincavam juntos, até ao momento em que o pai a transportava ao colo para casa, ao mesmo tempo que ia brincando com o cabelo de Joana. Jantavam depois em família – o pai Zé, a Joana, o mano Artur e a governanta (que fazia papel de mãe lá por casa, desde que a verdadeira mãe dos meninos tinha morrido e que já agora desempenhava também, mas pontualmente, papel de mulher do pai Zé). À mesa o Artur (nos seus 4 aninhos) era sempre muito implicativo. Tinha energia que nunca mais acabava e os pontapés à irmã mais velha (por debaixo da mesa), sucediam-se à hora das refeições. Era sempre nestas alturas que o pai não escondia o amor que tinha pela Joaninha e sistematicamente conversava mais com ela do que com o mano, querendo saber o que tinha a menina feito ao longo do dia. A pergunta era recorrentemente: “o que é que a menina fez hoje para além de saltar à corda”. E nisto, uma vez mais se levantava da mesa, pegava na Joana ao colo e rodopiava com ela no ar. Depois, enquanto a empregada da cozinha (uma senhora mais velha e de grande confiança da família) levava Artur para dormir, o pai de Joana acompanhava-a ao quarto, metia-a na cama e lia mais uma das muitas histórias que a menina se deliciava a ouvir. Era este o adormecer que Joana mais gostava – a voz do pai a sussurrar a história, enquanto lhe mexia nos caracóis castanhos até ao adormecer de ambos.
A ligação de pai e filha era inexplicável, sobretudo desde a morte da mãe, cena que Joana nunca viria a esquecer.
Era na verdade um cenário doloroso para os meninos – uma mulher bonita, mas que estava acamada, e ao lado uma cadeira, onde o pai Zé teimava em sentar-se com a Joaninha ao colo, que por não conseguir olhar para a mãe naquele estado decadente, enfiava a cara no pescoço do pai – sentindo o seu cheiro e calor – e ali ficava até poder e enquanto a deixassem.
Durante estas visitas ao quarto da mãe, o mano permanecia no corredor, agarrado às saias da velha empregada, de quem era muito próximo.
De facto os meninos viviam para aquele pai, desde que a mãe partira para sempre e até ao dia em que o mesmo sofreu um acidente a cavalo.
Joana recordou sempre aquele trágico momento. Era uma confusão no casarão – o mano não a largava e chorava desalmadamente, enquanto Joaninha tentava manter a calma de ambos. Foi por isso indescritível a sensação que teve quando finalmente puderam subir ao quarto do pai – o homem deitado na cama, o médico ao lado com a governanta e os meninos aos seus pés com os olhinhos colados no pai Zé, à espera que o mesmo retribuísse um simples olhar. Mas foi em vão…por muito que o rosto dos filhos suplicasse um sinal de Zé, este nunca mais olhou nos olhos dos filhos desde aquele dia. Nunca mais tiveram os jantares longos, as gargalhadas, o rodopiar no ar e sobretudo os “olhos nos olhos” de pai e filha.
O tempo foi passando e já nos seus 15/16 anos, Joana continuava a tentar aproximar-se do pai todos os dias, ainda que em vão. Desde o acidente havia um muro entre eles, que era cultivado por Zé, apesar das tentativas da garota. Joana empurrava a cadeira de rodas do pai pelos jardins do casarão todos os dias, conversava, tentava ouvir uma palavra, mas o diálogo limitava-se às perguntas sobre o dia-a-dia dos filhos e no que era apenas essencial. Quando a Joana saía para andar a cavalo, apesar do pai a esperar junto às cavalariças, assim que a via aparecer no horizonte, não chegava a deixar que a jovem se aproximasse. Virava a cadeira e saía em direção a casa. Pontualmente esperava por ela até ao final do passeio a e pelo beijo que a filha teimava em dar-lhe na testa e que nunca era retribuído pelo velho Zé.
O tempo foi passando e Joana acabou por sair de casa para ir estudar música para a cidade – o piano era o seu sonho e melhor amigo de sempre.
Artur adorou a ideia. Ter a irmã mais velha a morar num sítio onde a podia visitar sempre que quisesse e finalmente sair da quinta, era algo maravilhoso para o pequeno rapaz. Joana já tinha 18 anos e desde o acidente do pai, ainda em criança, nunca mais tinha feito as grandes viagens de carruagem, que eram habituais na família. Por isso, não hesitou em despachar-se a fazer as malas, com a ajuda da velha criada e sob o atento olhar do pai (que se mantinha à distância, como sempre, num canto do quarto).
A partir daquele dia, o pai Zé ficou sozinho para sempre no casarão, que com o tempo entrou em estado de abandono. O velho senhor, entregue aos cuidados dos fiéis criados, continuava a passear, na sua cadeira de rodas, mas num jardim já decadente.
Joana nunca mais voltou. Casou, teve filhos e manteve sempre por perto o mano mais novo, que com ela esteve até ao fim dos seus dias.
Artur, mas sobretudo Joana, nunca conseguiram ultrapassar a inexistência emocional daquele pai que, a partir da tenra infância, se revoltou com o acidente e recusou o amor dos filhos. O pai Zé preferiu não dar nem receber e amar em silêncio, a ter de conviver com as limitações que a vida lhe havia imposto.
Joana acreditou até ao fim que, no fundo, o pai tinha consciência do que tinha preferido perder, do amor que não deu nem viveu, do sofrimento que causou e da sua total indisponibilidade para continuar a amar a filha, como ela merecia e pedia, todos os dias.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A Luísa e a Maria.


Certo dia, num país quente e longínquo que não sei qual é, aí pelos anos 30/40, vivia uma menina pobre, com os seus pais, numa pequena casa branca, colada a outras tantas iguais, e com famílias igualmente pobres.
No largo ou terreiro que estava entre as casas havia um velho cruzeiro, já muito decadente. Era um sítio húmido e quente, em que se transpirava com facilidade. Havia muita criançada, toda da mesma idade e todos os meninos eram muito amigos entre si. Andavam descalços e com roupas frescas e sempre com os pés muito barrentos, porque a terra, poeirenta, colava-se aos pezinhos sensíveis e pequeninos. Brincavam com bonecas e bolas feitas de trapos e restos de tecidos, mas eram felizes à sua maneira.
No grupo da rapaziada, duas meninas eram muito próximas - a Maria e a Luísa. A Maria era morena e tinha as feições mais carregadas e a Luísa era alourada e mais alta. Vestiam branco com muita regularidade. Eram como irmãs. O António, um pouco mais velho (talvez mais 5 anos), estava sempre com elas e apesar de não entrar nas brincadeiras de raparigas, era muito protetor (como se fosse um irmão mais velho). A figura do António, morena e de expressões bem salientes, destacava-se, apesar dos calções velhos, presos por suspensórios e da camisa desfraldada.
Os pais da Maria eram pessoas simpáticas e afáveis, mas os pais da Luísa eram bem diferentes. Ele era agressivo e autoritário e achava que arranjar um casamento rico para a filha era o melhor que podia desejar. A mãe era uma mulher sem personalidade e completamente subjugada ao pai e mesmo quando deveria intervir para defender a filha, não o fazia por medo e por respeito ao marido. A Luísa costumava pensar para si que a mãe não tinha “espinha dorsal”.
Os pais da Maria e da Luísa, assim como os pais dos outros meninos que moravam no adro do cruzeiro trabalhavam na "Casa Grande", onde serviam os patrões - ajudando a cuidar dos filhos, na cozinha e a trabalhar na terra.
Os meninos foram crescendo e como sempre iam e vinham juntos da escola. Havia namoricos na adolescência mas sempre muita amizade entre todos. A Luísa e o António gostavam particularmente um do outro, desde sempre e se, na infância, tinham sido amigos inseparáveis, agora ele ia buscá-la à escola todos os dias, porque entretanto já não morava nas casas do adro.
Os dois jovens vinham de mãos dadas no caminho barrento que se fazia da escola às casas do adro e antes de se aproximarem despediam-se de forma tímida e com um beijo rápido mas romântico. Todos os dias era assim. Ambos sabiam que aquele era um amor para sempre e que se alguém tentasse impedi-lo, as consequências poderiam ser drásticas.
Os anos passaram e um dia, na chegada a casa, vinda de mais um passeio a dois com o António (sempre às escondidas), o pai da Luísa agrediu-a no rosto fortemente e gritou: não te quero a andar com esse pobretana! Para pobres já bastamos nós. Faz mas é por casar com alguém da “Casa Grande”, onde terás sim um futuro risonho. A Luísa nessa noite chorou de desespero. Desespero porque sabia que teria de se afastar do António, com quem tinha desenvolvido, ao longo dos anos, uma relação proibida, mas também de desespero porque a mãe uma vez mais se tinha comportado de forma imperdoável e havia tomado o partido do pai, quando este agrediu a jovem dizendo: ele tem razão rapariga. Esse rapaz não é para ti.
Mas a Luísa não tinha argumentos para querer casar com o filho do patrão que, apesar de ser um jovem louro, esbelto e rico, não lhe inspirava confiança. E tinha razão para se sentir assim, porque nas suas visitas à cozinha do casarão, onde a mãe trabalhava desde sempre, as investidas do jovem eram várias, até ao dia em que a tentou agarrar à força nas traseiras. Não fosse a agressividade da jovem, que se defendeu ao ponto de o ferir no rosto transparente, talvez o pior tivesse acontecido.
Na aflição a Luisinha saiu a correr e contou aos pais, os quais concordaram entre si que, na qualidade de filha de empregados, a Luísa deveria ter ido na conversa do jovem rapaz, porque os patrões não são para incomodar com estas manias de menina pura. Assim podia ser que casasses de vez - disse o pai.
No dia seguinte os amigos e vizinhos de sempre da Luísa quiseram vingança, mas os dois jovens apaixonados acabaram por fazer com que desistissem. Decidiram fugir dali, com a ajuda da Maria e dos seus pais, que bem conheciam a infelicidade da Luisinha em casa, o feitio do pai e a subjugação da mãe.
Certa madrugada foi isso que aconteceu. O António foi esperar a Luísa às casas do adro e levou-a consigo para longe. Acabaram por casar (numa pequena capela e pouco ornamentada), rodeados pelos seus amigos de sempre, testemunhas reais, daquele sonho cor-de-rosa, que mal sabiam eles estaria prestes a acabar.
Os jovens viviam numa casa com um forno, quente e acolhedora, de apenas um quarto e sala, não muito diferente da casa dos pais da Luísa, mas eram felizes. Sonhavam com filhos e com uma vida melhor e queriam finalmente viver tudo o que lhes tinha sido tirado pelo pai austero.
Mas a felicidade, para desgosto da Luísa, foi muito curta. Passados poucos anos o António viu-se envolvido numa rixa entre homens, junto de um precipício. O António só estava a tentar separar quem estava de facto envolvido na discussão, mas no meio da confusão, foi empurrado e caiu no rio que ficava no fundo do enorme e profundo vale.
Morreu com trinta e poucos anos e a cena que a Luísa com maior dor recorda, é a do seu velório, em casa (na sala que passou de quente a acolhedora a fria e desconfortável), rodeado de algumas pessoas conhecidas, mas pronto a partir para outro destino.
Com menos de 30 anos Luísa ficou sozinha, caindo numa enorme depressão e doença. Quando morreu, só Maria estava presente, como sempre.
A Maria e a Luísa foram amigas por uma vida inteira e quem sabe voltarão a encontrar-se com outro destino, para continuar a estreitar a sua relação.
Com o António, a Luísa poderá voltar a encontrar-se ou não. Resta saber se conseguirá cumprir o seu propósito: ter todo o tempo do mundo com o António e a sua proteção.
Boa sorte Luisinha!

quinta-feira, 29 de março de 2012

Amo-te, mas não estou apaixonada/o!


Há uns dias encontrei numa livraria um título que dizia "Amo-te mas não estou apaixonado." Ri-me sozinha pela falta de sentido que a frase teve para mim na altura! Quando li o resumo percebi afinal que o livro falava da história de um casamento de anos e anos, em que uma das partes chegava a esta conclusão - amava a outra, mas não sentia paixão (seja isso o que for). Dizem os entendidos que quando a paixão acaba, fica o amor e que é isso que sobra nas relações verdadeiras. Não discuto. Eu acho que por vezes sobra é “NADA. No entanto o título do livro está ótimo e até tem humor.
Existe uma outra versão mais ligeira desta coisa cinzenta do amor e que é uma frase que me marcou particularmente - "gosto de ti, mas não estou apaixonada/o"! Não me lembro se terei dito isto a alguém, mas penso que não. Não! Não terei dito de certeza! As coisas são ou não são. Ou se gosta com amizade apenas, ou se gosta mais que isso e então, podendo ou não usar a expressão "paixão", que terá uma interpretação diferente para cada um de nós, falamos de outro sentimento, mesmo que não lhe consigamos dar nome. Nomear relações e sentimentos é aliás cada vez mais difícil. Já nada é muito linear...e por isso é melhor nem tentarmos definir, ou corremos o risco de nos perdermos em conversas longas, cansativas e confusas.
Eu só sei gostar ou não, sem discutir níveis de envolvimento, se é uma "paixão assolapada", se um "amo-te mas pouco" etc. Para mim é: gosto de ti ou não gosto de ti. Poderei no máximo adicionar a palavra "muito" e matematicamente falando teríamos algo como “gosto muito de ti”.
E é assim, simples, que quero continuar!

sábado, 17 de março de 2012

Não mudei o começo, mas vou mudar o final.

O início das coisas nem sempre é feito com o pé direito, o meio pode até ser tortuoso, mas o final, esse, é o que nós quisermos, quando e como quisermos.
Na história do mundo têm sido muitas as coisas que começam mal, mas que não acabam assim necessariamente e nas nossas vidas, não é diferente.
Alguém disse um dia: "pode não dar para mudar o começo, mas dá para mudar o final". Eu acredito nisso e no que depender de mim, o FIM ou FINAL, vão ser à minha medida.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Estado Civil: CAOS!

Com o tempo vamos ter de requisitar à Conservatória do Registo Civil, a inserção de estados civis adicionais, para além do SOLTEIRO, CASADO, DIVORCIADO e VIÚVO. Há por aí umas novas versões que não dependem da idade, cor política ou religiosa, status social ou preferência sexual. As novas designações são várias. Vão desde as amizades coloridas (destas, todos nós nos lembramos dos tempos de liceu), aos relacionamentos abertos, também conhecidos por "sem compromisso" (mais sem compromisso do que abertos aliás). Podem apenas designar-se por romances ou flirts (aqui se quisermos dar um ar mais internacional à coisa).
Dizem os entendidos na matéria que os astros também explicam a proliferação destes novos formatos. Há-de haver um Neptuno, não sei onde…
Os novos estados de compromisso, mas afinal sem compromisso, são idênticos aos mais conservadores, ou seja, muda o nome, mas não mudam as limitações, problemas e tipos de discussão. A grande diferença é que é mais fácil livramo-nos deles e já agora, das pessoas.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Fim de ciclo.

Tudo tem um termo e regra geral isso significa que estamos algures e de alguma forma a recomeçar.
É mais um ciclo que chega ao fim. Não que quisesse, não que tivesse feito por isso. Simplesmente acabou. Naturalmente. Sem planos. Tal como começou. Também de modo abrupto e sem qualquer planificação.
Dizem os entendidos que destruir até às bases é o princípio.
Depois posso contar-vos se foi ou não, porque para já é cedo para falar nisso.
Certo, certo é que dou por terminada esta fase. Com algumas lágrimas e também um ou outro sentimento de perda e frustração, mas com consciência que é um FINAL FELIZ.