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segunda-feira, 2 de abril de 2012

A Luísa e a Maria.


Certo dia, num país quente e longínquo que não sei qual é, aí pelos anos 30/40, vivia uma menina pobre, com os seus pais, numa pequena casa branca, colada a outras tantas iguais, e com famílias igualmente pobres.
No largo ou terreiro que estava entre as casas havia um velho cruzeiro, já muito decadente. Era um sítio húmido e quente, em que se transpirava com facilidade. Havia muita criançada, toda da mesma idade e todos os meninos eram muito amigos entre si. Andavam descalços e com roupas frescas e sempre com os pés muito barrentos, porque a terra, poeirenta, colava-se aos pezinhos sensíveis e pequeninos. Brincavam com bonecas e bolas feitas de trapos e restos de tecidos, mas eram felizes à sua maneira.
No grupo da rapaziada, duas meninas eram muito próximas - a Maria e a Luísa. A Maria era morena e tinha as feições mais carregadas e a Luísa era alourada e mais alta. Vestiam branco com muita regularidade. Eram como irmãs. O António, um pouco mais velho (talvez mais 5 anos), estava sempre com elas e apesar de não entrar nas brincadeiras de raparigas, era muito protetor (como se fosse um irmão mais velho). A figura do António, morena e de expressões bem salientes, destacava-se, apesar dos calções velhos, presos por suspensórios e da camisa desfraldada.
Os pais da Maria eram pessoas simpáticas e afáveis, mas os pais da Luísa eram bem diferentes. Ele era agressivo e autoritário e achava que arranjar um casamento rico para a filha era o melhor que podia desejar. A mãe era uma mulher sem personalidade e completamente subjugada ao pai e mesmo quando deveria intervir para defender a filha, não o fazia por medo e por respeito ao marido. A Luísa costumava pensar para si que a mãe não tinha “espinha dorsal”.
Os pais da Maria e da Luísa, assim como os pais dos outros meninos que moravam no adro do cruzeiro trabalhavam na "Casa Grande", onde serviam os patrões - ajudando a cuidar dos filhos, na cozinha e a trabalhar na terra.
Os meninos foram crescendo e como sempre iam e vinham juntos da escola. Havia namoricos na adolescência mas sempre muita amizade entre todos. A Luísa e o António gostavam particularmente um do outro, desde sempre e se, na infância, tinham sido amigos inseparáveis, agora ele ia buscá-la à escola todos os dias, porque entretanto já não morava nas casas do adro.
Os dois jovens vinham de mãos dadas no caminho barrento que se fazia da escola às casas do adro e antes de se aproximarem despediam-se de forma tímida e com um beijo rápido mas romântico. Todos os dias era assim. Ambos sabiam que aquele era um amor para sempre e que se alguém tentasse impedi-lo, as consequências poderiam ser drásticas.
Os anos passaram e um dia, na chegada a casa, vinda de mais um passeio a dois com o António (sempre às escondidas), o pai da Luísa agrediu-a no rosto fortemente e gritou: não te quero a andar com esse pobretana! Para pobres já bastamos nós. Faz mas é por casar com alguém da “Casa Grande”, onde terás sim um futuro risonho. A Luísa nessa noite chorou de desespero. Desespero porque sabia que teria de se afastar do António, com quem tinha desenvolvido, ao longo dos anos, uma relação proibida, mas também de desespero porque a mãe uma vez mais se tinha comportado de forma imperdoável e havia tomado o partido do pai, quando este agrediu a jovem dizendo: ele tem razão rapariga. Esse rapaz não é para ti.
Mas a Luísa não tinha argumentos para querer casar com o filho do patrão que, apesar de ser um jovem louro, esbelto e rico, não lhe inspirava confiança. E tinha razão para se sentir assim, porque nas suas visitas à cozinha do casarão, onde a mãe trabalhava desde sempre, as investidas do jovem eram várias, até ao dia em que a tentou agarrar à força nas traseiras. Não fosse a agressividade da jovem, que se defendeu ao ponto de o ferir no rosto transparente, talvez o pior tivesse acontecido.
Na aflição a Luisinha saiu a correr e contou aos pais, os quais concordaram entre si que, na qualidade de filha de empregados, a Luísa deveria ter ido na conversa do jovem rapaz, porque os patrões não são para incomodar com estas manias de menina pura. Assim podia ser que casasses de vez - disse o pai.
No dia seguinte os amigos e vizinhos de sempre da Luísa quiseram vingança, mas os dois jovens apaixonados acabaram por fazer com que desistissem. Decidiram fugir dali, com a ajuda da Maria e dos seus pais, que bem conheciam a infelicidade da Luisinha em casa, o feitio do pai e a subjugação da mãe.
Certa madrugada foi isso que aconteceu. O António foi esperar a Luísa às casas do adro e levou-a consigo para longe. Acabaram por casar (numa pequena capela e pouco ornamentada), rodeados pelos seus amigos de sempre, testemunhas reais, daquele sonho cor-de-rosa, que mal sabiam eles estaria prestes a acabar.
Os jovens viviam numa casa com um forno, quente e acolhedora, de apenas um quarto e sala, não muito diferente da casa dos pais da Luísa, mas eram felizes. Sonhavam com filhos e com uma vida melhor e queriam finalmente viver tudo o que lhes tinha sido tirado pelo pai austero.
Mas a felicidade, para desgosto da Luísa, foi muito curta. Passados poucos anos o António viu-se envolvido numa rixa entre homens, junto de um precipício. O António só estava a tentar separar quem estava de facto envolvido na discussão, mas no meio da confusão, foi empurrado e caiu no rio que ficava no fundo do enorme e profundo vale.
Morreu com trinta e poucos anos e a cena que a Luísa com maior dor recorda, é a do seu velório, em casa (na sala que passou de quente a acolhedora a fria e desconfortável), rodeado de algumas pessoas conhecidas, mas pronto a partir para outro destino.
Com menos de 30 anos Luísa ficou sozinha, caindo numa enorme depressão e doença. Quando morreu, só Maria estava presente, como sempre.
A Maria e a Luísa foram amigas por uma vida inteira e quem sabe voltarão a encontrar-se com outro destino, para continuar a estreitar a sua relação.
Com o António, a Luísa poderá voltar a encontrar-se ou não. Resta saber se conseguirá cumprir o seu propósito: ter todo o tempo do mundo com o António e a sua proteção.
Boa sorte Luisinha!

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