Este é um espaço para escrever o que me vai na cabeça, na alma e no coração... Com os pés mais ou menos assentes no chão ou com a cabeça nas nuvens.
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sábado, 21 de abril de 2012
A amor aprende-se.
Ontem alguém me disse que AMAR é uma capacidade que muitos de nós temos e que, curiosamente, não é inata. À partida duvidei. "Se amares a tua filha, um dia ela saberá também amar o próximo", foi-me explicado.
Amar é um ensinamento. Quem em criança não recebeu amor dos pais, dos irmãos, dos amigos, nunca será capaz de amar um dia nenhum Homem ou Mulher, ou mesmo os próprios filhos. Vai gostar deles como é óbvio, vai apaixonar-se algumas vezes, mas o verdadeiro AMOR, aquele que obriga à concessão, à reciprocidade, ao dar e receber, ao incondicional, esse nunca será capaz de sentir.
É uma espécie de bloqueio emocional em que o ser humano só se entrega até certo ponto, por incapacidade de ir mais além.
A boa notícia é que quando reconhecemos em nós esta falha, estamos com metade do caminho para o Amor cumprido e bastará depois, que nos deixemos envolver pelo Amor que alguém tem para nos dar.
Mas, se não somos sequer capazes de reconhecer que nos falta o "saber amar", por muito que nos tentem dar Amor, não vamos sequer valorizá-lo e muito menos querer recebê-lo e logo, nunca aprenderemos a AMAR.
domingo, 15 de abril de 2012
A partida de João.
Por vezes as partidas e despedidas não são definitivas, mas a de João foi, apesar de nunca ter pensado que poderia assim acontecer consigo.
João viveu desde sempre com a sua mãe, num ambiente pobre, sobretudo após a morte do pai. A casa era humilde e a mãe - Maria Antónia de seu nome - fazia tudo para garantir que nada faltava ao pequeno. Com o desaparecimento do marido, Maria Antónia estava ainda mais ligada ao filho e o pequeno, mais apegado à jovem mãe.
Maria Antónia trabalhava a terra, vendia o que colhia, fazia pão para fora e quando podia, ainda fazia uns biscates em casa de gente rica para que nada faltasse em casa.
Mas João, apesar de ser um bom menino, queria o mundo. Era ambicioso e não criticando a mãe ou exigindo, sonhava em sair da terra, entrar num navio gigante, ir para o outro lado do Atlântico e ter uma vida melhor.
Maria Antónia conhecia o filho sonhador e também lutador que tinha, mas nunca valorizou a luta interna do pequeno e a alimentação daquele sonho já na idade pré-adulta.
Finalmente, pelos seus 20 anos, João decidiu partir e embarcar no navio - que agora já não via como sendo gigante, mas suficientemente grande para o levar em busca do seu sonho.
João partiu com a promessa de mandar buscar a mãe logo que conseguisse casa, trabalho e algum dinheiro para a viagem que, em 2ª ou 3ª classe ainda era cara.
No dia do embarque, Maria Antónia fez-se acompanhar da vizinhança ao porto de onde o navio ia partir. Nesse dia deitou todas as suas lágrimas, mas nunca mais chorou. Sofreu sim. E muito com a ausência do seu menino, mas sabia que era um direito do João lutar pelo seu sonho e que não lhe cabia a ela impedir.
Quando chegou à terra prometida, passou como todos, muitas dificuldades, mas venceu. Acabou por casar com uma Argentina, de quem teve filhas. Escrevia à mãe e mandava fotografias do casamento e do Joãozinho, que já havia nascido.
Nas cartas, pedia a Maria Antónia que fosse ter consigo, que embarcasse. Dizia que mandava dinheiro para a passagem, mas Maria Antónia já estava sem forças para recomeçar e sair do seu canto.
Com a chegada da peste, Maria Antónia adoeceu e não resistiu. Quem a acompanhou na doença, na morte e ao longo da sua vida, durante a ausência do filho, foi uma jovem, amiga de infância de João (namoradinha em criança) e que sempre ficou por ali e solteira, também ela à espera que um dia João regressasse.
Ao contrário de todas as expectativas de Maria Antónia, nunca mais viu o seu filho adorado, que partira afinal para sempre.
domingo, 8 de abril de 2012
Joana, Artur e o Pai Zé
Joaninha saltava à corda no campo de macieiras da quinta do seu pai num lindo dia de sol. O vestido comprido, com um bibe que protegia os melhores tecidos da sujidade das brincadeiras de crianças e os cabelos castanho claro, presos por laços brancos (um de cada lado), contrastavam com o vermelho das centenas de maçãs que por ali cresciam. No meio da correria viu aparecer o seu pai – um homem alto, moreno e que frequentemente vestia fato cinza com botas de montar. O pai chegou e como lhe era habitual, pegou na Joana ao colo e fê-la rodopiar no ar, até a menina ficar tonta e gritar (enquanto ria à gargalhada) de felicidade. Riam sempre muito quando brincavam juntos, até ao momento em que o pai a transportava ao colo para casa, ao mesmo tempo que ia brincando com o cabelo de Joana. Jantavam depois em família – o pai Zé, a Joana, o mano Artur e a governanta (que fazia papel de mãe lá por casa, desde que a verdadeira mãe dos meninos tinha morrido e que já agora desempenhava também, mas pontualmente, papel de mulher do pai Zé). À mesa o Artur (nos seus 4 aninhos) era sempre muito implicativo. Tinha energia que nunca mais acabava e os pontapés à irmã mais velha (por debaixo da mesa), sucediam-se à hora das refeições. Era sempre nestas alturas que o pai não escondia o amor que tinha pela Joaninha e sistematicamente conversava mais com ela do que com o mano, querendo saber o que tinha a menina feito ao longo do dia. A pergunta era recorrentemente: “o que é que a menina fez hoje para além de saltar à corda”. E nisto, uma vez mais se levantava da mesa, pegava na Joana ao colo e rodopiava com ela no ar. Depois, enquanto a empregada da cozinha (uma senhora mais velha e de grande confiança da família) levava Artur para dormir, o pai de Joana acompanhava-a ao quarto, metia-a na cama e lia mais uma das muitas histórias que a menina se deliciava a ouvir. Era este o adormecer que Joana mais gostava – a voz do pai a sussurrar a história, enquanto lhe mexia nos caracóis castanhos até ao adormecer de ambos.
A ligação de pai e filha era inexplicável, sobretudo desde a morte da mãe, cena que Joana nunca viria a esquecer.
Era na verdade um cenário doloroso para os meninos – uma mulher bonita, mas que estava acamada, e ao lado uma cadeira, onde o pai Zé teimava em sentar-se com a Joaninha ao colo, que por não conseguir olhar para a mãe naquele estado decadente, enfiava a cara no pescoço do pai – sentindo o seu cheiro e calor – e ali ficava até poder e enquanto a deixassem.
Durante estas visitas ao quarto da mãe, o mano permanecia no corredor, agarrado às saias da velha empregada, de quem era muito próximo.
De facto os meninos viviam para aquele pai, desde que a mãe partira para sempre e até ao dia em que o mesmo sofreu um acidente a cavalo.
Joana recordou sempre aquele trágico momento. Era uma confusão no casarão – o mano não a largava e chorava desalmadamente, enquanto Joaninha tentava manter a calma de ambos. Foi por isso indescritível a sensação que teve quando finalmente puderam subir ao quarto do pai – o homem deitado na cama, o médico ao lado com a governanta e os meninos aos seus pés com os olhinhos colados no pai Zé, à espera que o mesmo retribuísse um simples olhar. Mas foi em vão…por muito que o rosto dos filhos suplicasse um sinal de Zé, este nunca mais olhou nos olhos dos filhos desde aquele dia. Nunca mais tiveram os jantares longos, as gargalhadas, o rodopiar no ar e sobretudo os “olhos nos olhos” de pai e filha.
O tempo foi passando e já nos seus 15/16 anos, Joana continuava a tentar aproximar-se do pai todos os dias, ainda que em vão. Desde o acidente havia um muro entre eles, que era cultivado por Zé, apesar das tentativas da garota. Joana empurrava a cadeira de rodas do pai pelos jardins do casarão todos os dias, conversava, tentava ouvir uma palavra, mas o diálogo limitava-se às perguntas sobre o dia-a-dia dos filhos e no que era apenas essencial. Quando a Joana saía para andar a cavalo, apesar do pai a esperar junto às cavalariças, assim que a via aparecer no horizonte, não chegava a deixar que a jovem se aproximasse. Virava a cadeira e saía em direção a casa. Pontualmente esperava por ela até ao final do passeio a e pelo beijo que a filha teimava em dar-lhe na testa e que nunca era retribuído pelo velho Zé.
O tempo foi passando e Joana acabou por sair de casa para ir estudar música para a cidade – o piano era o seu sonho e melhor amigo de sempre.
Artur adorou a ideia. Ter a irmã mais velha a morar num sítio onde a podia visitar sempre que quisesse e finalmente sair da quinta, era algo maravilhoso para o pequeno rapaz. Joana já tinha 18 anos e desde o acidente do pai, ainda em criança, nunca mais tinha feito as grandes viagens de carruagem, que eram habituais na família. Por isso, não hesitou em despachar-se a fazer as malas, com a ajuda da velha criada e sob o atento olhar do pai (que se mantinha à distância, como sempre, num canto do quarto).
A partir daquele dia, o pai Zé ficou sozinho para sempre no casarão, que com o tempo entrou em estado de abandono. O velho senhor, entregue aos cuidados dos fiéis criados, continuava a passear, na sua cadeira de rodas, mas num jardim já decadente.
Joana nunca mais voltou. Casou, teve filhos e manteve sempre por perto o mano mais novo, que com ela esteve até ao fim dos seus dias.
Artur, mas sobretudo Joana, nunca conseguiram ultrapassar a inexistência emocional daquele pai que, a partir da tenra infância, se revoltou com o acidente e recusou o amor dos filhos. O pai Zé preferiu não dar nem receber e amar em silêncio, a ter de conviver com as limitações que a vida lhe havia imposto.
Joana acreditou até ao fim que, no fundo, o pai tinha consciência do que tinha preferido perder, do amor que não deu nem viveu, do sofrimento que causou e da sua total indisponibilidade para continuar a amar a filha, como ela merecia e pedia, todos os dias.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
A Luísa e a Maria.
Certo dia, num país quente e longínquo que não sei qual é, aí pelos anos 30/40, vivia uma menina pobre, com os seus pais, numa pequena casa branca, colada a outras tantas iguais, e com famílias igualmente pobres.
No largo ou terreiro que estava entre as casas havia um velho cruzeiro, já muito decadente. Era um sítio húmido e quente, em que se transpirava com facilidade. Havia muita criançada, toda da mesma idade e todos os meninos eram muito amigos entre si. Andavam descalços e com roupas frescas e sempre com os pés muito barrentos, porque a terra, poeirenta, colava-se aos pezinhos sensíveis e pequeninos. Brincavam com bonecas e bolas feitas de trapos e restos de tecidos, mas eram felizes à sua maneira.
No grupo da rapaziada, duas meninas eram muito próximas - a Maria e a Luísa. A Maria era morena e tinha as feições mais carregadas e a Luísa era alourada e mais alta. Vestiam branco com muita regularidade. Eram como irmãs. O António, um pouco mais velho (talvez mais 5 anos), estava sempre com elas e apesar de não entrar nas brincadeiras de raparigas, era muito protetor (como se fosse um irmão mais velho). A figura do António, morena e de expressões bem salientes, destacava-se, apesar dos calções velhos, presos por suspensórios e da camisa desfraldada.
Os pais da Maria eram pessoas simpáticas e afáveis, mas os pais da Luísa eram bem diferentes. Ele era agressivo e autoritário e achava que arranjar um casamento rico para a filha era o melhor que podia desejar. A mãe era uma mulher sem personalidade e completamente subjugada ao pai e mesmo quando deveria intervir para defender a filha, não o fazia por medo e por respeito ao marido. A Luísa costumava pensar para si que a mãe não tinha “espinha dorsal”.
Os pais da Maria e da Luísa, assim como os pais dos outros meninos que moravam no adro do cruzeiro trabalhavam na "Casa Grande", onde serviam os patrões - ajudando a cuidar dos filhos, na cozinha e a trabalhar na terra.
Os meninos foram crescendo e como sempre iam e vinham juntos da escola. Havia namoricos na adolescência mas sempre muita amizade entre todos. A Luísa e o António gostavam particularmente um do outro, desde sempre e se, na infância, tinham sido amigos inseparáveis, agora ele ia buscá-la à escola todos os dias, porque entretanto já não morava nas casas do adro.
Os dois jovens vinham de mãos dadas no caminho barrento que se fazia da escola às casas do adro e antes de se aproximarem despediam-se de forma tímida e com um beijo rápido mas romântico. Todos os dias era assim. Ambos sabiam que aquele era um amor para sempre e que se alguém tentasse impedi-lo, as consequências poderiam ser drásticas.
Os anos passaram e um dia, na chegada a casa, vinda de mais um passeio a dois com o António (sempre às escondidas), o pai da Luísa agrediu-a no rosto fortemente e gritou: não te quero a andar com esse pobretana! Para pobres já bastamos nós. Faz mas é por casar com alguém da “Casa Grande”, onde terás sim um futuro risonho. A Luísa nessa noite chorou de desespero. Desespero porque sabia que teria de se afastar do António, com quem tinha desenvolvido, ao longo dos anos, uma relação proibida, mas também de desespero porque a mãe uma vez mais se tinha comportado de forma imperdoável e havia tomado o partido do pai, quando este agrediu a jovem dizendo: ele tem razão rapariga. Esse rapaz não é para ti.
Mas a Luísa não tinha argumentos para querer casar com o filho do patrão que, apesar de ser um jovem louro, esbelto e rico, não lhe inspirava confiança. E tinha razão para se sentir assim, porque nas suas visitas à cozinha do casarão, onde a mãe trabalhava desde sempre, as investidas do jovem eram várias, até ao dia em que a tentou agarrar à força nas traseiras. Não fosse a agressividade da jovem, que se defendeu ao ponto de o ferir no rosto transparente, talvez o pior tivesse acontecido.
Na aflição a Luisinha saiu a correr e contou aos pais, os quais concordaram entre si que, na qualidade de filha de empregados, a Luísa deveria ter ido na conversa do jovem rapaz, porque os patrões não são para incomodar com estas manias de menina pura. Assim podia ser que casasses de vez - disse o pai.
No dia seguinte os amigos e vizinhos de sempre da Luísa quiseram vingança, mas os dois jovens apaixonados acabaram por fazer com que desistissem. Decidiram fugir dali, com a ajuda da Maria e dos seus pais, que bem conheciam a infelicidade da Luisinha em casa, o feitio do pai e a subjugação da mãe.
Certa madrugada foi isso que aconteceu. O António foi esperar a Luísa às casas do adro e levou-a consigo para longe. Acabaram por casar (numa pequena capela e pouco ornamentada), rodeados pelos seus amigos de sempre, testemunhas reais, daquele sonho cor-de-rosa, que mal sabiam eles estaria prestes a acabar.
Os jovens viviam numa casa com um forno, quente e acolhedora, de apenas um quarto e sala, não muito diferente da casa dos pais da Luísa, mas eram felizes. Sonhavam com filhos e com uma vida melhor e queriam finalmente viver tudo o que lhes tinha sido tirado pelo pai austero.
Mas a felicidade, para desgosto da Luísa, foi muito curta. Passados poucos anos o António viu-se envolvido numa rixa entre homens, junto de um precipício. O António só estava a tentar separar quem estava de facto envolvido na discussão, mas no meio da confusão, foi empurrado e caiu no rio que ficava no fundo do enorme e profundo vale.
Morreu com trinta e poucos anos e a cena que a Luísa com maior dor recorda, é a do seu velório, em casa (na sala que passou de quente a acolhedora a fria e desconfortável), rodeado de algumas pessoas conhecidas, mas pronto a partir para outro destino.
Com menos de 30 anos Luísa ficou sozinha, caindo numa enorme depressão e doença. Quando morreu, só Maria estava presente, como sempre.
A Maria e a Luísa foram amigas por uma vida inteira e quem sabe voltarão a encontrar-se com outro destino, para continuar a estreitar a sua relação.
Com o António, a Luísa poderá voltar a encontrar-se ou não. Resta saber se conseguirá cumprir o seu propósito: ter todo o tempo do mundo com o António e a sua proteção.
Boa sorte Luisinha!
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