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Bom Caminho (Setembro 2012) |
Já nem sei como surgiu a ideia, mas lembro-me que começámos a falar nisto algures em 2012. Terá sido uma das resoluções das passas na passagem de ano? Honestamente não me lembro. Só sei que o que começou por ser um "desejo" do género "era tão giro fazermos esta viagem!" ou, "isto sim era algo que gostava de experimentar", tornou-se num verdadeiro projecto para este ano, ainda que com objectivos diferentes para ambas.
No meu caso, é um encontro puramente espiritual, com a religião, comigo mesma, com os outros. Promessas não as tive, até porque como dizia uma professora do liceu, "promessa é uma coisa, negócio com os santos é outra". Por isso, saí daqui com objectivos espirituais e pessoais e com a promessa de chegar ao fim. Pelo caminho ficaram sim, muitas intenções.
3ª semana de Agosto de 2012
Fazer a lista das necessidades para os 6 dias de peregrinação é uma verdadeira odisseia. E, com partida agendada para 21 de Setembro, em Agosto ainda estávamos nesta fase.... ter a lista completa, dividir a compra e o transporte do material de higiene e conforto necessário, saber afinal quem ia alinhar na aventura, comprar material em falta etc.
A 6 dias da partida
No quarto estavam amontoadas as tralhas - mochila, cantil, meias anti-bolhas, cremes disto e daquilo, calças e bermudas, t-shirts, polar, poncho para a chuva etc
Esta semana era a altura para nos dedicarmos à lista dos medicamentos. O treino aos pés e sobretudo a habituação às botas foram também uma constante.
Muito importante: o bloco de notas com as intenções definidas já fazia parte dos haveres para a partida. Como disse, não eram promessas, mas as buscas pessoais desta viagem.
20 Setembro 2012
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As nossas mochilas |
Pela hora do almoço lá estávamos nós na Gare do Oriente, para o Alfa até ao Porto, onde parámos para lanchar e seguir em direcção a Valença, também de comboio. Eram oito e meia da noite quando chegámos a Valença. Na saída da estação, começámos a primeira caminhada em direcção ao Hotel Lara...lá fomos perguntando pela rua, até chegarmos ao nosso destino, apesar de muita gente, pelo aspecto peregrino que tínhamos, nos indicar sempre o Albergue local. Depois uma vitela fantástica e bem servida num restaurante ali próximo (com uma Superbock que soube pela vida) e de uma boa noite de sono, só podíamos estar a começar bem o Caminho Português.
Dia 1 - 21 Setembro 2012
(17 Km)
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Catedral TUI |
Após o pequeno-almoço onde encontrámos o grupo de ingleses que acabaria por nos acompanhar diariamente até Santiago (sem que ainda o soubéssemos), saímos já de ponchos vestidos em direcção a TUI. Chovia. Na catedral de TUI (que é uma experiência espiritual muito intensa para qualquer um, pela beleza, pelo silêncio e pela paz que ali se vive), foi a 1ª paragem do dia para o lanche da manhã (croissant simples acabado de fazer).
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Orbenlle |
Continuando a caminhada, encontrámos o Mac - um inglês com mais de 60 anos de idade, que se tornou o nosso anjo da guarda ao longo dos 6 dias e que nesse dia em particular, havia estado no dito pequeno-almoço. Tinha começado o seu caminho no Porto no dia 13 de Setembro.. No caminho para Orbenlle, este foi o nosso 1º contacto. Uma simpatia, Uma dádiva.
Já em Orbenlle parámos para almoçar uma tortilla com salada de atum e passas, num restaurante com uma vista fantástica. Ali estava a Brasileira de Porto Alegre, que mais tarde viríamos também a encontrar várias vezes até ao nosso destino final.
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Na floresta...antes da zona industrial. |
Em seguida, muito verde, muitas trilhas na floresta e depois a famosa zona industrial - um sitio feio em recta, mas que parece demorar uma eternidade a passar.
Chegámos a Porriño pelas 16h e lá estávamos nós na pensão Maracuibo - limpa, simpática e com tudo o que precisávamos após os primeiros cerca de 17 km.
Nessa noite havia festa em Porriño, pelo que não foi fácil dormir. Os galegos levam as festas religiosas muito a sério.
Ajudou o vinho tinto ao jantar, a acompanhar umas gambas com alho e um pãozinho do melhor.
Não posso deixar de dizer que nessa noite o "Voltaren" já me fez companhia. As dores começavam nos pés e pernas estavam a começar.
Dia 2 - 22 de Setembro 2012
(19 Km)
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Albergue de Mós |
Não tínhamos dormido com o barulho que se fazia sentir nas ruas de Porriño. Foi festa e feira toda a noite. Acordámos pelas 7h00 (ainda estava muito escuro) e depois de nos arranjarmos e sairmos de mochila já nas costas, foi tempo de procurar, na rua principal, uma pastelaria para o pequeno-almoço. Pastelaria "Simplicio". Aqui, uma bela "tostada" e café com leite fizeram as delícias da manhã. Andámos cerca de 5 Km antes da próxima paragem para um café, no Albergue de Mós.
Meio albergue, meio café/cafetaria, com papelaria à mistura, mas tinha de tudo, sobretudo um expresso.
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Café em Mós |
Os peregrinos ingleses voltaram a fazer parte do momento para o break, bem como os primeiros portugueses que encontrámos a pé e um grupo de italianos (que apesar da idade, não poupavam piropos às miúdas mais novas). Tudo na base da simpatia claro!!
A partir de Mós o percurso foi muito duro (muitas subidas e descidas e chão irregular). Voltámos a parar em Santiaguino, no meio no mato, para comer um lanhe que vinha connosco e recuperar forças. Seguimos então rumo a Redondela. Quase na chegada à grande descida de Redondela, parámos ainda num café/padaria. Um Galego muito simpático, cujo filho estava a fazer o Doutoramento em Lisboa. Os bolos ali tinham Marketing pessoal, de tão bom aspecto....e o senhor recomendou-nos que fossemos dormir ao Hostal Antolin, na praia, com vista para a Ria de Vigo e para a Ilha San Simón.
Seguindo a sugestão do nosso conselheiro, lá mudámos as reservas desse dia para o Antolin na Praia de Cesantes. Mal sabíamos nós é que os Km's seguintes íam custar tanto e que desviar de Redondela para Cesantes ía ser tão doloroso para os pés.
Nas descidas de Redondela foi preciso voltar a parar para descansar, mesmo que junto a um caixote do lixo camarário (verde...igual aos nossos).
Dentro da cidade, voltámos a encontrar um dos nosso peregrinos já conhecidos...a rua do Cruzeiro parecia não mais acabar.
Eu particularmente estava com os pés numa lástima de dor. Antes de Cesantes tivemos de voltar a fazer uma paragem num café de beira de estrada. Ali estávamos literalmente fora do caminho, dado que o desvio que estávamos a fazer não vinha assinalado nos percursos para peregrinos. Acho que nunca uma febra com batatas fritas e ovo estrelado me soube tão bem. Assim retomámos os últimos 3 Km até ao dito Hostal, que nos pareceram uma eternidade. Tudo me doía. Acho que cheguei a pensar "mas o que estou eu a fazer aqui?"
Rapidamente pensava nas intenções que levava comigo e das quais me lembrava todos os dias. Era uma forma de ganhar forças para ir em frente.
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Ilha San Simón |
Na chegada, de facto fomos surpreendidas pela simpatia do pessoal do hostal e pela vista. Um banho quente, voltaren uma vez mais nas pernas, creme nos pés e 1h de descanso.
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Momento para escrever o dia. |
Depois uns ténis, para dar sossego às botas e lá saímos para um passeio à beira-mar, seguido de uma cerveja na esplanada.... nunca uma cerveja teve em nós um efeito tão revigorante.
Mais tarde começaram a chegar ao Hostal outros peregrinos: a Brasileira de Porto Alegre, com quem nos tínhamos cruzado no dia anterior, um grupo de Brasileiros do Estado de São Paulo, com que mais à frente viríamos ainda a estar algumas vezes, um Americano de LA de origem Mexicana (lindo de morrer, devo dizer), muito simpático...os nosso amigos alemães (um grupo de 3 que víamos todos os dias)...
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Calçadas para jantar |
Antes do jantar pedi gelo para as pernas e pés na recepção, para ver se as dores acalmavam. Nesse dia fui jantar de meias, para surpresa dos outros peregrinos que estavam na sala...acho que fomos as duas aliás. Na verdade os outros peregrinos queria também estar de meias, mas acho que lhes faltou a coragem.:)
Jantar fantástico: canja, mexilhões, calamares fritos e um cheesecake.
Dia 3 - 23 de Setembro 2012
(17 Km)
Para o pequeno-almoço lá voltámos a preferir as meias apenas como calçado. Era importante dar descanso às botas até ao momento de voltar ao caminho. De facto o pequeno-almoço no Hostal Antolin era óptimo e deu para reforçar com pão, fruta e cereais. Fantástica a empregada que estava de manhã - fazia pequenos-almoços, reposições na sala, check-in e check-out, enfim. Uma verdadeira multi-task. Ficámos encantadas com o serviço.
Antes da saída explicaram-nos a forma mais rápida para voltarmos ao "caminho", dado que nos tínhamos desviado cerca de 3 km, para pernoitar na praia.
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De volta ao caminho... |
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Ponte Sampaio |
Encontrado facilmente, lá partimos em direcção a Arcade. Até aqui foi tranquilo e aproveitámos para parar e tomar um café, mesmo a tempo de nos livrarmos de uma nuvem daquelas bem carregadas de água. Quando parou de chover, saímos rumo a Ponte Sampaio (uma aldeia histórica e típica da região). Algumas fotos com o nosso amigo inglês do IPAD (tirava fotos com o IPAD entenda-se) e seguimos para Gandara de Santa Marta, até onde o percurso era muito duro (elevações enormes e muita pedra...caminho aliás não recomendado para peregrinos de bicicleta). No entanto, a vegetação era tão densa, que este deve ter sido um dos percursos mais bonitos e mais intensos em termos espirituais.
Em Gandara parámos para um "bocadillo caliente", numa caravana de comidas e bebidas no meio do "quase nada". Já estávamos muito cansadas nesta altura e mais uma vez a minha mochila e o peso, provocavam horríveis dores na cintura e pernas. Um pouco mais à frente, na capela de Santa Marta voltámos a parar para descansar. Eu particularmente estava no limite. A Zélia, ainda assim, conseguia manter-se mais equilibrada fisicamente.
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Caminho |
Até Pontevedra eram ainda cerca de 5 Km (uma eternidade quando estamos nos nossos limites físicos). A boa notícia é que o percurso em falta era feito em rectas, sem elevações e descidas acentuadas.
Antes da chegada a Pontevedra começou a chover muito e tivemos de voltar a parar para nos abrigarmos e nutrir (amendoins e vinho branco - quem diria que nutria - numa taberna onde a ASAE não passou de certeza).
Saímos uma vez mais debaixo de chuva intensa e com os ponchos vestidos.
Chegámos pelas 15h ao Hotel Madrid em Pontevedra. E começou o ritual: banho quente, Vasenol pés e pernas, Voltaren e descanso.
Saímos mais tarde até ao centro da cidade para um almoço/lanche. Mas era domingo e em Espanha, é mesmo dia de não fazer nada. Nada aberto a não ser cafetarias.
Nesta altura os bocadillhos já enjoavam pelo que acabámos num café, giríssimo, na praça mais central da cidade velha, para um croissant com chocolate. Tudo o que a minha criança interior já estava a pedir. A acompanhar...chocolate quente claro!!!
Voltámos ao Hotel e eu lá fui para o ritual do gelo nas pernas. Se assim não fosse nem sei como aguentaria no dia seguinte.
Tentámos sair para jantar, mas precisamente por ser domingo, encontrar algum sítio com "comida a sério" e quente, era uma odisseia. Estava tudo encerrado. Acabámos a noite num Italiano, para um "minestrone" que nos soube pela vida. Estávamos exaustas!
Engraçado foi que, nesse dia, o secador de cabelo (que víamos pela 1ª vez desde que tínhamos saído de Lisboa), apenas serviu para secar as botas. Tinha começado o desapego das coisas materiais.
Dia 4 - 24 de Setembro 2012
(22 Km)
Mais uma odisseia em Pontevedra para tomar o pequeno-almoço. Na Galiza comer pão fresco de manhã cedo é mentira! Até dizíamos, em tom de piada, que "aqui os padeiros deviam ter horários muito mais flexíveis" porque o pão chegava tarde a qualquer sítio.
No café central, com muito bom aspecto, conseguimos sumo de laranja, napolitanas frescas, cola-cao e croissants.
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Igreja Santa Maria de Alba |
Depois do check-out no Hotel seguimos em direcção a Alba, onde parámos na igreja para descansar, acender velas e meditar. Seguimos então em direcção a um café ainda naquela localidade para a segunda refeição - sanduíche e um expresso forte.
A partir daqui o caminho foi muito forte (vegetação densa e mística, uma enorme beleza natural, muita chuva, muitas dores físicas e muita emoção associada).
São os momentos em que se chora sozinho, mesmo que estejamos acompanhados.
Espiritualmente, parece que muita coisa começou a fazer sentido nesta altura!
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O caminho... |
A partir daqui o caminho foi muito duro para todos. Em Cancela conseguimos parar num café e recarregar baterias. Estávamos famintas. Numa tasca de beira de estrada lá estávamos nós para mais um bocadillo e cogumelos quentes, com um red bull (para ganhar forças). Conseguimos aqui descansar cerca de 40 minutos, antes de avançarmos rumo a Caldas dos Reis. Até lá era tudo em linha recta e já não voltaríamos a parar.
A cerca de 2 km de Caldas estávamos uma vez mais exaustas. Numa pequena localidade, conseguimos apenas parar no adro da igreja, junto a um parque infantil, para descansar os pés e as pernas.
Nesse dia tudo estava tão difícil que até o Hotel (Hotel Sena), ficava no final da localidade de Caldas dos Reis, pelo que tivemos de andar a pé mais 3 Km, desde que entrámos na cidade.
Quando se está no limite, mais 10 minutos ou 3 Km são uma eternidade e uma dor indescritível.
Assim que chegámos ao hotel iniciámos o ritual de higiene e descanso - banho, creme pés e pernas para relaxar, Voltaren... e uma sesta.
A Zélia descobriu massagens a 17 euros nas termas das Caldas e lá fomos nós ao fim da tarde, com a devida marcação.
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As termas! |
A terapeuta tinha medo de me fazer massagem nas pernas - aquilo de que mais me queixava. Dizia que podia causar algum dano maior e se assim fosse no dia seguinte não seria capaz de andar, dado que tinha os músculos altamente inflamados.
Conseguimos depois um bom sítio para jantar um caldo galego e uma costeleta de comer e chorar por mais.
Uma vez mais encontrámos o peregrino de LA, com ascendência Mexicana e que, soubemos nesta altura, que já tinha feito o caminho francês. Não tem uma perna e faz o caminho com o apoio de uma muleta. Ficámos impressionadas com a força de vontade de um tipo com aquelas características e que não teria mais que 38/39 anos.
Com a massagem desse dia, dormi muito melhor e no dia seguinte sentia-me com menos dor física.
Dia 5 - 25 de Setembro 2012
(19 Km)
Foi um dia muito giro, apesar das fortes dores nos pés e pernas.
Com o efeito da massagem do dia anterior, o amanhecer parecia mais fácil e menos doloroso sobretudo. Acho que o anti-inflamatório ajudou muito.
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No caminho...com chuva. |
No hotel contratámos o serviço de transporte de mochilas pela 1ª vez, para não penalizar mais as costas e só saímos por volta das 08h50. O destino era Padrón pelo que parámos em Carracedo onde estivemos cerca de uma hora para comer o famoso bocadillho de tortilla, um bom expresso e daí sim partirmos para Pino.
Começou a chover copiosamente e por isso chegámos a Pino completamente encharcadas.
Parámos então para um chá e para secar um pouco as botas.
Não ficámos muito tempo. Voltámos rapidamente ao caminho, desta vez rumo a Ponte Cesures.
Nesta localidade procurámos um restaurante chamado "Mesa de Pedra", Restaurante Medieval (http://www.facebook.com/MesaDePedra?fref=ts) ....mas durante o percurso, a Zélia estava entretida com várias chamadas telefónicas a combinar eventos sociais comuns (estar muito tempo longe tem destas coisas e temos de intercalar o espiritual com o que é mais terreno :)...para nos mantermos bem).
Fomos atendidas por um Homem de poucas palavras (pelo menos no primeiro contacto), mas cheio de sabedoria sobre Santiago, o Caminho e afins.
Quando nos sentámos já estavam na mesa 3 peregrinas Brasileiras, entre elas a Dana, com quem passámos a falar mais a partir daí.
Foi-nos servido um óptimo Caldo Galego, seguido de algo que em portugal chamamos "Carne de Alguidar" com batata cozida, queijo e doce de figo, vinho tinto e café de saco (conhecido ali como "café científico" - máquina de café de saco com a cientificidade de ter um temporizador /cronómetro à parte, como o próprio dono do local explicava, para garantir os 3 minutos necessários para um café irrepreensível).
Um local que, em Portugal, não passaria despercebido a uma
ASAE, mas que é fantástico e faz as delícias dos peregrinos, pelo acolhimento, simpatia e comida caseira.
Foi aqui que aprendemos que os pimentos padron não são de Padrón, mas sim de Hebrón e que se devem comer sem rabo. "Se vos servirem pimentos com rabo é porque não foram lavados" foi-nos explicado.
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No Mesa de Pedra... |
No Mesa de Pedra acabámos por almoçar em grupo, entre portugueses, brasileiros e alemães. Até uns portugueses de Peniche apareceram por ali já no final da refeição.
Saímos do local completamente revigoradas pela comida, conversa, gargalhada, e pela 1h30 de descanso.
Partimos depois para Padrón, a tentar um atalho que nos tinham explicado, para encurtar caminho.
Aqui ficaríamos alojadas no Hotel Jardim - uma casa rústica, senhorial, familiar e muito acolhedora.
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Calçado dos Peregrinos no H. Jardim |
Depois, já se sabe: banho, descanso e um jantar recheado de iguarias (pimentos, batata frita etc) locais e bem regado.
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Jantar em Padrón |
No restaurante encontrámos todos os peregrinos do dia e mais alguns com quem nos andávamos a cruzar há já algum tempo. Entre alemães, brasileiros, e a Anja (uma holandesa amorosa e simpática que estava a fazer o caminho sozinha, ou pelo menos tentava, segundo explicava).
O espírito de grupo e "do peregrino" neste 5º dia foi impressionante. Quando no encontrámos à noite para jantar, ficou claro que "todos estamos ali com o mesmo objectivo, mas todos também com razões diferentes". Cada um sabe das suas razões, intenções, o que procura afinal. Uma verdadeira questão de alma.
Dia 6 - 26 de Setembro 2012
(25 Km)
De Padrón até Escravitude fez-se bem (sem subidas nem descidas e sobretudo sem chuva)!
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Era bom ou não era?! |
Ainda em Padrón um bom pequeno-almoço junto à igreja ajudou a começar o último dia de caminhada. E claro, na Escravitude, o reforço alimentar já habitual foram a delícia da 1ª paragem.
Saímos já com alguma chuva desta localidade. Seguíamos para Obese, onde chegámos pela hora do almoço. Segunda parte do roteiro gastronómico do dia: sopa de nabiça, jamon serrano e vinho tinto. O atendimento, sobretudo da proprietária, não era muito simpático, mas o marido compensava a simpatia e a dedicação aos clientes (principalmente às meninas).
Depois de algum tempo de descanso, prosseguimos viagem para Milladoiro. Chovia muito e tivemos de nos abrigar num supermercado. A Zélia aproveitou para nos comprar uns chocolates, o que foi óptimo para reforçar o açúcar, mas sobretudo o ânimo.
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No caminho... |
Este era o percurso maior dos 6 dias do caminho, o da chegada a Santiago e com chuva, fica tudo mais difícil. Por ali encontrámos o grupo da Dana, que afinal acabou por não fazer apenas 12 Km como havia previsto inicialmente, arriscando-se nos 25, tal como nós.
Neste dia voltámos a estar com o grupo de ingleses, que desde Valença, vinha connosco, nos mesmos percursos. O Mac, como sempre, trazia uma mensagem especial. Desta vez tinha a ver com a dor física que eu mesma sentia - pés, sobretudo dedos e unhas. Este homem era um verdadeiro anjo na terra. Já anteriormente parece que tinha respondido às minhas dúvidas médicas (o que fazer, como minorar aquelas dores....enfim). Agora aparecia para lembrar que as dores que tínhamos não eram nada face a dores de uma vida (uma "lifetime experience", como lhes chamou). Estas dores, como ele dizia, passariam ao fim de uns dias. Outras pessoas no mundo, tinha dores de uma vida. Por isso, este sacrifício físico, era uma forma de nos lembrarmos disso, durante o caminho.
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A 4 Km...
O que se sente numa altura destas é indescritível. Aqueles últimos 4 Km foram no entanto uma eternidade e só a meio da tarde chegámos à catedral.
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Finalmente em Santiago... |
Eram tantas as pessoas a tirar fotos umas às outras, a si próprias, sozinhas, a dois, em grupo.... nunca imaginei nada assim. Só tinha estado uma vez na vida ali e em circunstâncias bem diferentes. É impressionante o que a fé em algo move. Fé, não necessariamente no catolicismo, claro.
Depois de algum tempo a apreciar aqueles momentos, seguimos para a "Oficina " do Peregrino.
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Oficina do Peregrino (dados, diploma e entrega de intenções) |
Como manda a tradição, recebemos o diploma e entregámos as intenções, que são queimadas na missa da última quinta-feira do mês. Por sinal, a missa a que íamos assistir no dia seguinte (27 Setembro): a missa do Peregrino.
Agora o que ficou daquele dia: a sensação única de missão cumprida com pena de ter acabado uma caminhada para algo tão importante para cada um; um misto de vontade de rir com vontade de chorar...qualquer emoção não se percebe e muito menos se consegue explicar. Ficou a vontade de olhar à volta e voltar a olhar e ficar a olhar.... para apreciar a praça defronte da catedral. Senti que iria ter saudades destes dias...e tive. Saudades da espiritualidade, das pessoas, das sensações.
Quero voltar, a este ou a outro caminho, quero voltar desde que seja Santiago.
Dia 7 -27 de Setembro de 2012
(Em Santiago)
Acordámos pela 1ª vez sem ter o compromisso de avançar mais 1 km sequer. A sensação é ao início de alívio, porque foram seis dias de cansaço, mas ao mesmo tempo de vazio, por não termos o objectivo quilométrico do dia, os mapas para ler e pensar sobre as paragens mais adequadas, enfim, um misto de dever cumprido com o vazio que agora parecia começar.
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Vista da Varanda do Quarto |
O Hotel em Santiago era mesmo no centro - muito clean (do tipo IKEA), acolhedor, histórico e de gente simpática e jovem. Na mesma rua havia uma pastelaria para um bom pequeno-almoço.
Foi a 1ª manhã em que dispensámos as botas de caminhada, até porque as da Zélia tinham aberto golpes precisamente na chegada à Catedral (ou pelo menos foi quando demos por isso).
Depois de um banho matinal, roupa lavada e pequeno-almoço, seguimos para a Catedral, para a Missa do Peregrino.
Assim que chegámos, encontrámos o grupo da Dana (do Estado de São Paulo - Brasil) e os ingleses que desde sempre nos acompanharam. Quando olhávamos à volta, grande parte dos peregrinos que por ali estava eram pessoas com quem nos tínhamos cruzado ao longo dos 6 dias de Caminho.
A Missa começa com um enorme agradecimento aos peregrinos e um cenário fantástico levado a cabo pelo turíbulo (defumador de metal, preso a 3 correntes). Os movimentos de defumação da peça são enormes e visíveis em quase toda a catedral. É impressionante. A comunhão foi demorada, com tanta gente a querer celebrar o momento. Aquela era também a última missa numa quinta-feira do mês, altura em que se queimavam as intenções. As nossas lá ficaram. Só nós e Santiago as conhecemos. E mesmo que demorem, ele vai tê-las em conta, tenho a certeza.
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Na Missa após a comunhão |
Aproveitámos a ida à Catedral para dar o abraço a Santiago, numa zona própria da igreja.
Saímos depois para almoçar, para ir às compras (porque o frio apertava e a roupa que trazíamos era do tipo Verão) e para comprar os bilhetes de autocarro, para o Porto, para onde partiríamos no dia seguinte. Voltámos mais tarde à Catedral para colocar algumas velas.
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Tarde de Sol |
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Tarde de Sol
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Nesse dia ainda apanhámos uma tarde de sol fantástica, que aproveitámos até ao último minuto. Conseguimos jantar num sítio muito giro e de comida típica, que recomendamos. Chama-se "O Dezasseis" e aqui fica a dica : http://www.dezaseis.com/
Na Galiza come-se definitivamente muito bem.
Dia 8 -28 de Setembro de 2012
(De volta a Lisboa)
Hoje acordámos e só no pequeno-almoço nos apercebemos que estávamos atrasadas para o autocarro para o Porto. Pois é! Obra do acaso ou não, o despertador não só não tocou, como a hora estava errada.
Correria até ao hotel, para apanharmos as mochilas, depois até ao táxi, para chegarmos ao autocarro. Entrámos pela plataforma dos autocarros, em plena garagem, com o embarque já a terminar. Mesmo a tempo!
Saíamos de Santiago e começámos a percorrer no BUS alguns dos locais onde havíamos passado a pé. A sensação é estranha. Numa hora andámos o que tínhamos levado cerca de 3 dias a fazer em caminhada.
Dormimos a viagem quase toda até ao Aeroporto do Porto. Uma vez aí, acabámos por conseguir apanhar um voo mais cedo que o previsto para Lisboa.
Quando aterrámos na Portela a sensação é a de que tínhamos sido tele-transportadas de um sítio longínquo e inacessível mas cheio de paz. Instalou-se a sensação de ter vindo de Marte em pouco mais de 2 horas.
No final da viagem o que ficou? Costumo dizer que ficaram 3 marcas desta experiência:
- conhecemos melhor os nossos limites físicos e até que ponto esses limites impactam nos limites emocionais (até onde e como aguentamos sem dor física e a partir de quando essa dor nos causa sofrimento e lágrimas);
- damos mais valor ao outro e sabemos que o espírito humanitário afinal existe e que, existem pessoas, tal como nós, que de forma desinteresseira e desinteressada, se preocupam e ajudam o outro;
- valorizamos coisas básicas que temos no dia-a-dia e que numa situação de esforço físico e emocional, fazem toda a diferença (como é o caso de uma refeição quente).
Nós adorámos a experiência.
Acredito que 2013 vai trazer um novo caminho, este ou outro, com novas histórias, pessoas, mas quem sabe com as mesmas intenções.